Membros da comunidade surda da Bahia denunciaram ao Ministério Público do Estado a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva no Festival. Além disso, cobram o cumprimento da Lei Brasileira de Inclusão pela empresa responsável pelo evento.
“Por que nós surdos temos que lutar, cobrar para ter acessibilidade? Por que nós não merecemos esse direito? Nem dignidade?” O questionamento é também um desabafo do influencer digital e professor universitário Léo Viturinno. Juntamente com outros integrantes da comunidade surda baiana, ele denunciou, em ofício encaminhado ao Ministério Público do Estado (MP-BA), a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva no Festival de Inverno Bahia (FIB), que teve início nesta sexta-feira, 25.
Após solicitar e tentar negociar com a produção do FIB a contratação de intérpretes de Libras para os shows, o grupo teve o pedido negado pela Bahia Eventos. A empresa, que é responsável pela produção do festival, chegou a solicitar orçamento para o serviço, mas somente nesta semana informou por e-mail que não iria seguir com a contratação, deixando de atender à necessidade apontada e cobrada pela comunidade surda do estado.
Além disso, nenhuma justificativa foi dada para a recusa. “Entramos em contato com esperança de que o FIB contasse conosco e contratasse intérpretes para nós. Mas recebemos essa negação. É como se eles não se importassem com as pessoas surdas, não tivessem o interesse em nos incluir no evento. É uma sensação de impotência enorme. Ficamos tristes com isso. É muito cansativo ter que correr atrás disso e lutar pelos [nossos] direitos”, afirma Léo.
A primeira vez que ele questionou a produção do evento se haveria intérpretes de Libras nos shows foi em maio deste ano, por meio de mensagem enviada para o perfil oficial do Festival no Instagram. Ficou sem resposta. Em junho, cobrou novamente pela rede social um retorno da organização do evento a respeito do assunto, mas também não obteve nenhum retorno.
Em julho, o influencer tentou contato até com o diretor artístico do FIB, Max Viana, ainda via Instagram. Novamente sem resposta, falou com a assessoria de imprensa do evento, que passou a ele um número de telefone da Bahia Eventos. Mas apesar de ter sido iniciado um diálogo e negociação com a empresa para a inclusão de intérpretes de Libras nos shows, a contratação não foi efetivada.
Denúncia no MP
“Fomos informados que a edição deste ano do FIB teria um enfoque nas questões relacionadas às pessoas com deficiência, porém, lamentavelmente, essas ações não foram efetivadas (…). Infelizmente, nos deparamos com diversos obstáculos e atrasos por parte da organização”, diz um trecho do ofício encaminhado ao Ministério Público por Léo Viturinno e outras 14 pessoas da comunidade surda baiana.
O documento, assinado por todos eles, ressalta ainda que, ao negar a disponibilização de intérpretes de Libras nos shows do Festival de Inverno, a “Bahia Eventos ignora até mesmo a legislação vigente que garante o direito linguístico”. O grupo destaca também que “a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) nº 13.146/15, em seu art. 1º, estabelece o compromisso de assegurar e promover a igualdade de direitos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, visando à inclusão social e cidadania”.
Outra legislação citada no ofício é o Projeto de Lei nº 664/23, que dispõe sobre a obrigatoriedade da presença de intérpretes de Libras em eventos artísticos, culturais e sociais, sejam eles públicos ou privados. “Portanto, é imperativo que a Bahia Eventos reconsidere sua decisão e atue em conformidade com a legislação vigente. Isso não somente demonstrará respeito e inclusão à comunidade surda, mas também enriquecerá a experiência cultural do próprio festival”, conclui o documento.
O ofício foi protocolado nesta última quarta-feira, 23 de agosto. Segundo Léo, após entregá-lo na sede regional do MP, em Vitória da Conquista, o recepcionista lhe informou que o órgão lhe daria um retorno ontem à tarde, dia 24, por e-mail. Mas o professor não recebeu nenhuma resposta oficial até o momento.
Nesta sexta-feira, 25, pela manhã, ele ligou para o MP-BA e, por telefone, o informaram que a “demanda estava alta e que não conseguiriam lhe responder” no mesmo dia, antes do início do Festival. O evento, entretanto, acontece neste fim de semana e o MP só funciona em dias úteis.
Um problema antigo
oApesar da falta de acessibilidade, Léo foi ao FIB nesta sexta, 25, juntamente com o marido, que é ouvinte e queria muito ir ao festival. É a primeira vez que o professor e influencer participa do evento, já que se mudou recentemente para Vitória da Conquista. Ele conta que ficou chocado ao ouvir de outras pessoas surdas que já estiveram na festa que nunca houve intérpretes de Libras nos shows, mesmo após 17 edições. Alguns de seus amigos surdos desistiram ou ficaram sem ânimo para ir ao festival devido à essa situação.
“Sempre foi inacessível! Por isso que conversei explicando pra eles que tinham direito a ter acessibilidade. Eles não sabiam por falta de informação ou falta de apoio. Foi por isso que comecei a incentivar e cobrar. Acessibilidade não é um favor, e sim um direito”, relata Léo, que ensina Libras e também atua como palestrante, reunindo mais de 30 mil seguidores somente no Instagram. Sem resposta do MP, ele e os demais integrantes da comunidade surda que assinaram o ofício enviado ao órgão pretendem entrar em contato com uma advogada especialista para processar o evento. “Antes disso, queremos fazer uma manifestação nas redes sociais”, finaliza.
A falta de acessibilidade é um problema antigo do Festival de Inverno Bahia, inclusive para pessoas com outras deficiências além da auditiva. Não há, por exemplo, a implementação de pisos táteis para pessoas cegas. E a estrutura do Parque de Exposições Teopompo de Almeida, onde acontece o evento, ainda está longe de ser a ideal para aquelas que têm dificuldades de mobilidade. Tal situação se repete em diversos outros festivais pelo país.
Outro lado
Durante coletiva de imprensa realizada com o CEO da Rede Bahia, Rogério Bruxelas, no dia 1º de agosto, o Conquista Repórter o questionou se a produção do FIB havia repensado a acessibilidade do Festival para este ano, uma vez que a diversidade tem sido uma bandeira levantada pelo evento. Bruxelas reconheceu que esse ainda é um “calo” da festa, por conta das dificuldades operacionais e do próprio espaço em que ele é realizado. Mas disse que a produção tem tentado melhorar esse aspecto.
Nossa reportagem também solicitou posicionamento da Bahia Eventos quanto aos relatos e questionamentos descritos na matéria. Entretanto, a assessoria de imprensa do festival nos informou que a empresa preferiu não se manifestar sobre o assunto no momento.
Fonte: Avoador