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Universidade alega precisar de 140 tradutores de Libras. MEC afirma cumprir demanda solicitada pela UFRJ e diz não interferir na utilização da verba da instituição.

Alunos deficientes auditivos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sétima principal universidade da América Latina no último ranking QS, enfrentam dificuldades para estudar, devido à carência de intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais, usada pela maioria dos surdos) na instituição.

A universidade conta hoje com apenas sete intérpretes para atender a todos os câmpus e cursos da instituição, o que corresponde a 5% do que seria necessário: 140 profissionais de Libras.

Quem sofre as consequências desse défict se sente desestimulado. Alguns estudantes que passaram no vestibular e escolheram a UFRJ já pensaram em desistir por causa da dificuldade de aprender.

“Já reprovei porque tem matérias que são muito pesadas, são complicadas e precisam muitas vezes de uma resolução oral. Algumas coisas eu consigo entender, mas outras, por causa do conteúdo, é pesado”, lamentou o estudante Ryan Oliveira, que é deficiente auditivo e está no segundo período de Ciência da Computação na UFRJ.

O dilema passa a ser ainda maior quando o tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” foi escolhido para a redação do principal acesso às universidades públicas do país, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A prova, que relaciona temas atuais com as disciplinas escolares, fez muitas pessoas refletirem sobre o assunto.

Segundo a UFRJ, a pouca quantidade de tradutores deve-se à falta de abertura de vagas para contratação de intérpretes por parte do governo federal para atender os novos alunos. A universidade garante cumprir o que determina a lei. A Reitoria informou ainda que mais cinco intérpretes devem entrar para a equipe em breve (Veja a nota da UFRJ na íntegra abaixo).

Já o Ministério da Educação (MEC) diz que autorizou a contratação de profissionais de acordo com os pedidos da UFRJ e que, segundo a legislação brasileira, as universidades têm autonomia financeira, administrativa e pedagógica e, por isso, não interfere na aplicação da verba feita pelas instituições.

Na UFRJ, os alunos que são deficientes auditivos sofrem com a falta de intérpretes e lamentam não ter a oportunidade de aprender como os outros colegas que não têm deficiência. No caso de Ryan Oliveira, ele é o único estudante surdo do curso de Ciência da Computação e, desde que entrou na universidade, nunca teve intérprete em sala de aula.

Com dificuldade para entender as aulas sem a tradução, o jovem de 22 anos preferiu cursar algumas matérias novamente na esperança de conseguir um intérprete. Segundo Alice Francis de Oliveira, mãe de Ryan, o filho sempre teve o sonho de estudar na UFRJ, mas o jovem e a família não esperavam encontrar tanta dificuldade por lá. Ela diz que os problemas desestimulam o filho a estudar e que Ryan já pensou várias vezes em desistir do curso.

“Tem vezes que ele quer ir [para a UFRJ], tem vezes que ele não quer ir, é bem complicado. Eu não tiro a razão dele. Tem que ter alguém para ajudar, para apoiar. O certo é ter, e tem que ter o intérprete. A partir do momento que uma instituição aceita um aluno com deficiência, ele tem que ter suporte para aquilo”, destacou a mãe do estudante.

A falta de intérpretes também tem sido um obstáculo no caminho dos calouros Beatriz Fernandes Catanduba, de 20 anos, e Ian Araújo Bezerra, de 21. Os estudantes de Administração na UFRJ admitem que sem tradutor de Libras fica difícil continuar o curso.

“Eu estudava, o professor explicava, e às vezes entendia. Às vezes conseguia, às vezes não conseguia entender”, lamenta Beatriz.

Segundo a dona de casa Erilene Fernandes Barbosa, de 48 anos, mãe de Beatriz, um mês após o início do período letivo, a filha ainda não teve uma aula com intérprete. Ela diz ficar triste ao ver a filha desanimada e teme que ela possa abandonar tudo.

“Tem semana que ela não vai nenhum dia. Eu falo pra ela ‘você vai, escreve o que estão passando no quadro’, mas ela fala ‘é muito rápido’. Eu falo ‘faça assim mesmo, faça o que você puder’, mas ela não gosta, não é pra ela isso”, explica a mãe da aluna.

Persistência e força de vontade
Ian também faz Administração na UFRJ e afirma ter dificuldade para entender o que o professor explica nas aulas sem a tradução para a língua de sinais. O jovem diz que, mesmo assim, não vai desistir e vai lutar como puder para conseguir concluir o curso.

“A gente não quer desistir, eu não quero desistir. Eu quero ver a minha família orgulhosa de mim e feliz porque eu vou estar me formando.”

Mãe de Ian, Maria de Fátima Araújo ressalta a importância de falar sobre o assunto acessibilidade e dar mais atenção aos deficientes que enfrentam dificuldades diárias em vários setores da sociedade. Ela diz que, ao ver o tema da redação do Enem, sentiu esperança, mas a realidade que o filho enfrenta hoje a fez perceber que o país não está preparado para lidar com as questões que envolvem os deficientes auditivos.

“Quando veio esse Enem, foi uma felicidade muito grande para mim e sei que para todos as mães de surdos, porque eles começaram a acordar. Foi um pontinho a mais, me colocou lá no alto, mas um pouquinho à frente me derrubou, porque ao chegar aqui na faculdade ele não tem um intérprete, um tradutor de Libras”, lamentou Maria de Fátima.

Pai de dois filhos que são deficientes auditivos, o taxista Antônio Carvalho conta que luta há 21 anos para que eles possam estudar e viver um pouco melhor, mas destaca que os obstáculos para os deficientes auditivos no Brasil ainda são muitos, e que as leis que existem não são cumpridas.

“Tudo começa de pequeno. Vamos falar de educação, vamos falar de sáude, vamos falar de transporte, e a luta continua a mesma coisa. Em todos os setores que eles passam, existem as leis, mas essas leis não são cumpridas”, lamenta Antônio.

O que diz a UFRJ
A UFRJ emitiu nota sobre a situação dos deficientes auditivos da instituição. A instituição afirmou que está cumprindo o que determina a lei; entretanto, destaca que não houve abertura de vagas para contratação de pessoal especializado por parte do governo federal para atender a esses novos alunos ingressantes.

A instituição também diz que, no ano passado, a UFRJ criou um fórum permanente que discute acessibilidade e também encaminha internamente as demandas e formas de atender os estudantes com deficiência. “A universidade avalia caso a caso as demandas por pessoal especializado, por instalações e recursos diversos”, argumenta.

“Estamos, assim, levantando as necessidades de acordo com cada estudante. Entretanto, há estudantes deficientes que entram na UFRJ, mas não concorrem pela Ação Afirmativa. Cabe ressaltar que o levantamento total das necessidades por semestre só pode ser concluído no fim do processo do Acesso dos estudantes à Graduação”, acrescenta.

Ainda segundo a UFRJ, a quantidade total de intérpretes pode variar conforme a entrada destes estudantes. Em cálculo prévio foi identificada a necessidade de 140 intérpretes. No último edital de concursos para técnicos da UFRJ foram abertas 5 vagas para tradutor/intérprete de Libras. Além de outros cargos voltados ao atendimento das diversas deficiências. “A pró-reitoria e pessoal têm buscado, junto aos Ministérios da Educação e do Planejamento, o aumento do número de vagas disponíveis para que se possa atender à demanda dos estudantes e cumprir a Lei 13.409/2016, tornando a UFRJ cada vez mais acessível e inclusiva”, diz a nota.

O que diz o MEC
“Em agosto de 2007, o Ministério da Educação autorizou a contratação de 137 Profissionais Técnicos Especializados em Linguagem de Sinais por tempo determinado para as universidades federais. A distribuição foi feita a partir das demandas das próprias instituições encaminhadas ao MEC. Nesse caso, a UFRJ teve 6 vagas.”

Fonte: G1 Globo

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