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Germana Araújo, de 32 anos, e Leonardo Rodrigues, 29 anos, têm na rotina diária uma relação de afeto e cumplicidade. Com três anos de casados, o desejo pela chegada de um filho alimentava os sonhos dos dois.

O tempo passou, mas a gravidez não aconteceu. A vontade pessoal deles de criar uma criança, porém, ganhou um novo capítulo no final de 2016. Foi ali que eles souberam do menino Pedro Igor, na época com três anos de idade, que estava acolhido em um abrigo em Fortaleza. A possibilidade da adoção coroava não apenas o sonho de finalmente darem amor a um filho, mas os unia em torno da identificação: a surdez.

Germana nasceu surda após a mãe dela adquirir rubéola na gestação. Já Leonardo adquiriu meningite aos seis meses de vida, gerando repercussões para a audição. A superação sempre fez parte da vida dos dois. “Tive um tio surdo com quem nunca tive contato próximo. Então, tanto eu, quanto o Leonardo, sempre fomos praticamente os únicos surdos em nossas famílias. Apesar de nossos parentes nos amarem, sempre tivemos que nos superar em nossos lares e fora deles”, conta Germana, através da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Ela é professora concursada na rede pública inclusiva, dando aula de Libras e Artes para crianças e adolescentes. O marido trabalha como administrador em uma empresa familiar.

“Nunca tinha pensado em adotar. Mas quando soube do Pedro Igor me interessei. Por ele ser surdo, ajudaríamos ele a se desenvolver mais, na parte da comunicação, principalmente, para que ele não enfrentasse tantos percalços quanto nós. Conversei com o Leonardo e com nossa família. Tivemos total apoio”, afirma Germana. Em julho de 2017, reuniu a documentação para dar início ao processo, mas descobriu que uma família já havia adotado. “Eles estavam há mais tempo na fila e tiveram prioridade. Ficamos tristes”, diz.

O casal, porém, recebeu uma ligação duas semanas depois e uma surpresa: o menino havia voltado para o abrigo. Segundo Leonardo, “a família não sabia Libras”, o que teria motivado o retorno de Pedro ao Cadastro Nacional de Adoação (CNA). Foi a chance que eles tanto esperavam. “Fizemos todos os cursos e palestras sobre adoção, sempre acompanhados de um intérprete. Estávamos ansiosos para conhecer ele, mas só pudemos fazer isso em novembro, na escola em que ele estudava”, explica a mãe, por meio de sinais.

Logo veio a visita ao Abrigo Tia Júlia, onde Pedro morava. O menino ativo e curioso, entretanto, tinha dificuldades de se comunicar. “Ele aprendia as noções de Libras na escola, mas como era o único surdo no abrigo, acho que ele não conseguia oportunidade de praticar. No abrigo ele tinha tudo, mas ele não conseguia se comunicar. Ele sinalizava algumas coisas básicas”, conta.

A guarda provisória veio em fevereiro deste ano com direito a chá de bebê organizado pelos amigos do casal. Para os pais, Pedro passou a conviver em um mundo mais próximo ao dele, estabelecendo uma base para, depois, conviver melhor com os outros desafios da sociedade. “No primeiro dia, ele ficou um pouco assustado, mas fomos explicando que ele tinha o quarto, as roupas, um novo lugar. Passou um tempo dormindo no nosso quarto, mas logo se acostumou e hoje dorme sozinho. Ele também tem aprendido bastante Libras e se comunica bem”, expressa Germana, com um sorriso no rosto.

No último dia 26 de setembro, o casal participou da audiência de instrução com auxílio de intérprete. O processo foi concluído e a sentença que vai oficializar a guarda definitiva deve sair em até duas semanas. Eles seguem esperançosos pelo desfecho feliz.

Acessibilidade influencia na procura por adoção – Casos de adoção por pais surdos são considerados raros no Ceará. Segundo o defensor público Adriano Leitinho, supervisor do Núcleo de Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude (Nadij), esse é o segundo caso desde que a Vara da Infância e Juventude foi criada. Para o defensor, é preciso uma política pública eficaz para incluir mais pessoas com deficiência que queiram adotar. “Ainda existe muito preconceito. As próprias pessoas com deficiência, muitas vezes, não sabem que podem realizar esse sonho de ser pai e mãe por adoção. Por isso, é necessário uma maior divulgação dessas informações, em linguagem adequada e acessível para todos os públicos sobre o procedimento da adoção”, argumenta.

A dificuldade foi sentida por Germana e Leonardo. “Já tivemos audiência remarcada por falta de intérprete. Falta informação completa para a gente e só conseguia isso quando eu mesma levava um intérprete para me ajudar, pedindo a amigos ou pagando do meu próprio bolso. Falta acessibilidade. Se for uma outra família surda querendo adotar e não tenha tantas condições, como vai ser?”, questiona Germana.

“Infelizmente ainda não estamos preparados 100% para trabalhar com esse público, que como qualquer outro, é sujeito de direitos previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para que mais casos desses ocorram, é interessante que todo o sistema de justiça e as unidades de acolhimento estejam preparadas para interagir com os pretendentes à adoção com surdez e para receber crianças e adolescentes com essas deficiências auditivas.
Isso quer dizer dispor de profissionais habilitados em Libras para que se possa promover uma verdadeira política e justiça de inclusão”, explica Adriano Leitinho.

Pais sonham com sociedade mais acessível – A intérprete Bruna Martins, 20 anos, é amiga do casal e acompanhou várias etapas do processo de adoção, inclusive na audiência do dia 26 de setembro. “Fui testemunha na audiência e diversas vezes acompanhei em situações no Fórum (Clóvis Beviláqua, em Fortaleza), para que eles conseguissem ter acesso às informações. Eles enfrentam barreiras para conseguir adotar o filho que eles tanto sonharam”, afirma.

A dificuldade com a qual Germana e Leonardo tiveram que lidar, em um mundo ainda inacessível para pessoas surdas, foi algo que os dois sempre tiveram que superar, mas que acabou fortalecendo os dois na luta por uma vida justa. “Queremos uma realidade diferente para o Pedro daqui pra frente, que ele cresça e desenvolva com autonomia”. Para o futuro do garoto, que hoje tem cinco anos, os dois sonham que ele seja “o que ele quiser, que ele estude, se desenvolva e encontre uma sociedade mais aberta”.

Enquanto eles contam toda a história, Pedro brinca com brinquedos pela sala, pede ajuda ao pai para fazer um desenho e mostra à mãe o resultado. Também pede para ver as fotos com a família, onde se detém por alguns minutos reconhecendo rostos de quem agora é representa sua base.

A vida da nova família ganhou um sabor de realização. “Todos dizem que ele parece muito comigo. Brincam demais”, conta Leonardo, arrancando risadas da esposa, que fala da adaptação que foi acontecendo naturalmente. “Fomos nos adaptando à rotina dele, que tem hora para dormir, tarefa de casa, alimentação, médico. Uma preocupação que antes não tinha, mas agora somos três, isso nos deixa felizes. Somos o pai e a mãe dele”, disparam  emocionados.

Fonte: Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará

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