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A história de um único membro que escuta em uma família de surdos, o filme é algo difícil de encontrar num ano pobre em multidões: Um filme autêntico, de partir o coração, que todo mundo vai comentar e agradará a muita gente

NEW YORK – CODA é uma história terna e que trata de amadurecimento, focada no único membro que escuta em uma família de surdos, e pode se tornar o filme mais popular do ano, mas só há algumas semanas a diretora Siân Heder o assistiu com um público.

Por meses após a sua elogiada estreia no Festival de Cinema de Sundance, que este ano foi virtual, em janeiro (onde o filme contabilizou um recorde de venda de ingressos, de 25 milhões de dólares e conquistou o grande prêmio do festival), Heder ouviu falar de pessoas que tinham assistido ao filme em casa e ficaram comovidas, que o filme as fez chorar e como era uma história importante. Mas quando ela o viu na tela em Gloucester, Massachusetts, onde o filme é ambientado, finalmente pressentiu algo mais: quantas risadas ele também provoca.

“Você não sabe realmente como as coisas funcionam se não se sentar numa sala repleta de pessoas”, disse Heder.

CODA, que chega aos cinemas e na Apple TV+ na sexta-feira, 13, é um filme difícil de encontrar num ano pobre em multidões. Um filme autêntico, de partir o coração, que todo mundo vai comentar e vai agradar o grande público.

Estrelado por um trio de atores sensacionais que são surdosMarlee MatlinTroy Kotsur e Daniel DurantCODA também é muito diferente de muitos filmes que visam despertar emoções. É um filme que deve atrair um grande público, mas que o expande e amplia um mundo da cinematografia que raramente retrata a vida dos surdos de modo dinâmico ou autêntico. Uma obra referencial, CODA prova – com um bom espírito e também com risadas – o quanto esses filmes têm feito falta.

“É preciso mais de uma pessoa para entender e fazer com que atores surdos sejam escalados para um filme. Muitas pessoas não entendem. Não sabem que podemos trabalhar tão facilmente como qualquer outro, disse Matlin. “Eu sei – não espero – que CODA mudará o panorama”.

Marlee Matlin

Matlin, a única atriz surda a conquistar um Oscar (em 1986, pelo filme Filhos do Silêncio) sabe alguma coisa sobre momentos que são divisores de águas para a comunidade de surdos de Hollywood. E está convencida de que este filme é um desses momentos. Depois de anos lendo roteiros que – se mostravam alguma pessoa surda, apenas a caracterizavam de maneira simples, estereotipada, CODA imediatamente a impressionou.

“Fiquei empolgadíssima, a ponto de chamar minha equipe e dizer: não deixem esse roteiro escapar das nossas mãos. Tenho de fazer esse filme”, disse ela.

No filme, a jovem atriz Emilia Jones interpreta a irmã que escuta em uma família de pescadores cujos pais divertidos e amáveis são surdos, e com um irmão, belo e belicoso, Leo, também surdo. Seus sonhos de cantar de início parecem uma rebelião de adolescente. “Se eu fosse cega você gostaria de pintar?”, pergunta sua mãe).

CODA, que é sigla de Child of Deaf Adults (filhos de pais surdos), se baseou no filme francês de 2014 A Família Bélier, que usava atores que escutavam para interpretar papéis de surdos. Heder, porém, viu que existia potencial para explorar algo mais genuíno e trazer atores surdos para os papéis principais. Ela transferiu o local de ambientação do filme para a cidade de pescadores de Gloucester, Massachusetts e fez da autenticidade um etos permanente. O que significou embarcar o elenco em barcos de pesca, mas especialmente ouvir muito a comunidade de surdos.

Ela trabalhou com um professor de uma instituição americana de linguagem de sinais e escreveu o roteiro, e passou meses aprendendo essa linguagem. Matlin foi a primeira pessoa que ela recrutou para o elenco.

“Acabei sabendo o que não sabia. Eu era uma pessoa estranha para essa comunidade. Se eu era a pessoa que contaria a elas a história, então tinha de garantir que estava me acercando das pessoas dessa comunidade e conferindo poder às suas vozes”.

CODA deveria ser ambientado em Lionsgate, mas Heder agora está aliviada com o fato de no final ter mudado para o sistema de locação externa. Para ela, a ideia de colocar surdos nos papéis principais – uma oportunidade numa produção maior e também uma possibilidade – era algo impossível.

“Eu pensei: é assim que farei o filme. Se não for com atores surdos então eu desisto totalmente, de modo que vocês podem pegar esse roteiro e ir para qualquer lugar, e esse será um ano da minha vida que passei criando um roteiro que será engavetado”, disse Heder.

Com uma atenção maior à inclusão por parte da indústria cinematográfica, a equidade no caso das pessoas com deficiências às vezes é marginalizada, apesar de uma em cada quatro pessoas nos Estados Unidos ter algum tipo de deficiência. Recentemente, isso mudou, graças em parte a filmes como o documentário da Netflix, Crip Camp – Revolução pela Inclusão, e Um Lugar Silencioso, estrelado por Millicent Simmonds. Mas para uma defensora incansável e antiga da comunidade de surdos como Matlin, já passou da hora de outros contribuírem para essa causa.

“A responsabilidade de falar em nome da comunidade de surdos não é minha. Todos temos essa responsabilidade. Sim, meu nome é conhecido. E aceitarei essa responsabilidade. Mas não posso fazer o trabalho sozinha. Talvez minha voz seja apenas uma das muitas que possam conduzir à uma mudança, fazer com que haja uma forte repercussão, criando o reconhecimento que todos nós precisamos. Mas de novo, não é possível sozinha. Não consigo mais fazer isso sozinha”.

A esperança é que CODA faça parte dessa mudança, não só na maneira como foi feito, mas também como foi lançado. Todas as apresentações nos Estados Unidos e no Reino Unido terão legendas abertas. Na Apple TV+ os subtítulos e legendagem para os cegos estão disponíveis em mais de 36 línguas.

“Venho dizendo às pessoas: desliguem o som ao assistirem o material promocional. Reflitam sobre o que é pertencer a uma comunidade de surdos assistindo ao trailer”, disse Heder, que proximamente vai dirigir um filme biográfico sobre a ativista pelos direitos das pessoas com deficiência (e estrela de Crip CampJudith Heumann.

“Sinto que minha vida foi enriquecida através da minha exposição a esta comunidade. Falo por sinais com meus filhos o tempo todo. Essa se tornou nossa língua de família secreta quando quero dizer alguma coisa para minha filha que está do outro lado da sala”.

Poucas pessoas tiveram uma curva de aprendizado mais elevada do que Emilia Jones, que teve de se familiarizar com a linguagem dos sinais a tal ponto que parece que praticou durante sua vida inteira – e ao mesmo tempo aprender uma cultura realmente estrangeira no caso de uma jovem atriz britânica.

“Foi a coisa mais recompensadora que já fiz”, disse Emilia Jones. “Tive de ser uma garota pescadora e nunca tinha entrado num barco de pesca. Siân nos colocou todos nesse barco com pescadores durante horas. E foi a mesma coisa com os sinais. Não tive permissão para usar um intérprete, e por isso sou muito grata porque me fez aprender mais rápido. Todos os nossos intérpretes no set eram surdos e assim a ideia era eu conversar com eles de maneira aprofundada”.

Ouvindo ou não, a família Rossi, de CODA, é uma das famílias mais verossímeis vistas recentemente na tela. A conexão entre os atores parece inusitadamente familiar, como se já tivessem um convívio antigo.

“É o que, como diretor, é muito difícil de criar – como é o caso de um verdadeiro amor na tela. Aqueles quatro personagens ligados de um modo que eu nunca teria esperado, e acho que é isso o que as pessoas estão sentindo”.

Mas foi apenas recentemente, quando da promoção do filme, que o elenco e Heder se reuniram, não tendo se visto pessoalmente durante a pandemia. Num hotel em Los Angeles, eles beberam margaritas ao lado da piscina.

“Sinto como se a família Rossi estivesse reunida de novo”, disse Matlin. “Os filmes não são realidades de fato. Mas esta realidade pareceu real para mim”.

Fonte: Terra

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