Libras é importante para se comunicar com paciente, assim como entender a realidade dessa comunidade
Gabriella Roma Santos, 31, ainda era criança quando foi acusada por pediatras de ser preguiçosa. O motivo? Ela estava demorando a falar, então os profissionais colocaram a culpa na suposta falta de motivação da garota. Na realidade, ela tinha deficiência auditiva que só foi identificada anos depois por meio do exame Bera, utilizado para medir a capacidade da audição.
Essa desatenção dos médicos afetou o desenvolvimento de Gabriella. Ela também tinha problemas de se identificar como surda. Oralizada, utilizava um aparelho auditivo, mas o escondia com os cabelos. Também separava muito bem os grupos de ouvintes daqueles que eram surdos. “Me escondia, porque sofria preconceitos, discriminação e rejeição.”
Embora ainda lide com obstáculos em razão da sua condição, Gabriella conseguiu se estabelecer. E uma das formas para se aceitar melhor foi o acesso a um psicólogo. “Devido à dificuldade da aceitação, iniciei a terapia psicológica e com o tempo, fui entendendo a importância de aceitar a minha identidade surda”, diz.
A forma de atender um paciente como Gabriella em uma sessão psicológica varia. Ela diz que, durante as sessões, transita entre a fala, por ser uma pessoa oralizada, e a Libras (Língua Brasileira de Sinais), já que o profissional que a atende conhece a língua.
Por outro lado, para aqueles que não foram oralizados, uma das únicas opções é encontrar um psicólogo que necessariamente saiba Libras –intérpretes não são permitidos. Mas a procura pode ser penosa.
“Eu posso identificar uma questão psicológica numa criança que usa Libras e não encontrar [um profissional] na minha cidade. Mesmo em São Paulo é difícil um psicólogo que atende em Libras”, afirma Beatriz Novaes, superintendente da Derdic (Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação), centro que conta com duas psicólogas que atendem crianças surdas ou com perda de audição por meio de Libras.
Uma dessas profissionais da divisão é Maria Tereza Muratori. O contato inicial dela com a língua de sinais ocorreu quando foi trabalhar em uma escola que atendia crianças surdas ou surdas e cegas.
Ela não dominava a língua, mas com o tempo aprendeu e se envolve diretamente na área desde 1997. Ela diz que, além de Libras, precisou entender o que a surdez pode causar numa pessoa. “Tem muita coisa que uma pessoa com perda de audição vive, diferente da gente.”
A psicóloga Ana Tereza Marques conta que surdos normalmente têm maior dificuldade de se comunicar com outras pessoas, porque a comunicação cotidiana é majoritariamente oral.
“Como fica o desenvolvimento neurológico dela, ao ser frequentemente excluída? Qual o impacto da exclusão social no senso de pertencimento daquela pessoa, como membro da sociedade que não consegue exercer seus direitos e protagonismo?”, diz.
Surda, Marques é outra profissional que atende pacientes com dificuldades auditivas. Ela conta que observa uma demanda constante pelo seu serviço de terapia por Libras e que há resultados positivos, mas ainda faltam dados de quantos profissionais atendem esse tipo de demanda psicológica.
Marques é conselheira coordenadora da comissão de comunicação do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP) e afirma que não há um levantamento consolidado do número de psicólogos que atuam com Libras no estado. A Secretaria de Estado da Saúde afirmou que atendimento psicológico é de alçada do município.
A Secretaria Municipal da Saúde da capital paulista informou que conta com a Central de Intermediação de Libras (CIL), órgão que auxilia o acesso de pessoas com deficiência na fala e na audição a serviços públicos. Afirmou ainda que disponibiliza treinamento para servidores que desejam aprender Libras, mas não respondeu quantos são os psicólogos que dominam a língua de sinais na rede municipal.
A Folha procurou o Ministério da Saúde e o CFP (Conselho Federal de Psicologia), mas ambos não responderam o contato.
OUTRAS DEMANDAS
Maria Tereza Murator conta que é muito comum existir um mediador entre o surdo e um psicólogo. “É uma demanda que normalmente vem da família e são situações muito pontuais.”
O cenário pode ser uma barreira para algum surdo acessar a uma terapia psicológica. Outro dilema é que, em muitos casos, não se pensa que uma pessoa com deficiência auditiva precise de um acompanhamento terapêutico.
“Talvez não se tenha a clareza de que precisa desse tipo de serviço [de um psicólogo], porque as dificuldades que surgem, aquilo que podem aparecer no paciente que tem uma perda de audição é […] tratado como a questão da surdez”, afirma Muratori.
O encaminhamento para um fonoaudiólogo, por exemplo, é muito mais comum. Para a psicóloga, o ideal é um atendimento de múltiplas frentes se for vista a necessidade.
Mas para alguns surdos, encontrar um atendimento terapêutico pode ser ainda mais difícil. É o caso daqueles que não sabem Libras e não são oralizados. Outra situação são os surdos que também apresentam dificuldades na visão.
Em casos assim, é preciso adaptar o ambiente para que o paciente consiga enxergar os sinais feitos com as mãos. A cor do fundo do local e das roupas, por exemplo, precisam ser consideradas para criar um contraste adequado que facilite a visualização.
Outros casos são aqueles que têm perda total de visão, em que o contato tátil é normalmente um requisito. A pessoa toca na mão de quem está se comunicando por meio de Libras a fim de sentir e entender os movimentos.
Fonte: Folha de S. Paulo