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Marcelo Amorim recebeu o título, nesta segunda (9), com projeto voltado à acessibilidade em ambientes virtuais de aprendizagem.

Um aluno da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) se tornou, nesta segunda-feira (9), o primeiro surdo a defender uma tese de doutorado na instituição. Pós-graduado em Ciência da Computação do Centro de Informática (CIn), no Campus Recife, Marcelo Amorim apresentou um trabalho voltado à acessibilidade, a partir de suas próprias dificuldades como uma pessoa com deficiência no ambiente acadêmico (veja vídeo acima).

Com o título “Acessibilidade de Ambientes Virtuais de Aprendizagem: Uma Abordagem pela Comunicabilidade para Pessoas Surdas”, a tese de Marcelo foi desenvolvida em meio aos obstáculos de ser o primeiro estudante surdo a ter acesso à pós-graduação na UFPE.

Ele ingressou no mestrado da UFPE em 2010 e, em 2012, obteve o título de mestre. Na época, desenvolveu um aplicativo para ajudar a comunicação de pessoas surdas.

A plataforma, posteriormente, foi vendida à Hand Talk, uma plataforma que traduz simultaneamente conteúdos em português para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

De acordo com Marcelo, a principal barreira enfrentada durante toda a trajetória acadêmica é a mesma que ele enfrenta no dia a dia: a desinformação da sociedade sobre o cotidiano de pessoas surdas. Depois, foi a burocracia de conseguir um intérprete para frequentar as aulas.

No início do mestrado, em 2010, ele precisou pagar, do próprio bolso, um profissional para o acompanhar, já que, segundo ele, não havia intérpretes na UFPE.

“Quando o problema foi resolvido, chegaram interpretes contratados e alguns bolsistas, geralmente, estudantes de primeiro semestre da graduação, de outra área, para interpretar disciplinas de doutorado. Não era suficiente. Nos últimos anos, os interpretes passam a ser servidores concursados, e isso causa uma certa segurança aos novos surdos ingressantes, porque muitas barreiras ainda existem, mas, em 10 anos, isso evoluiu muito”, afirmou o doutor.

Para poder frequentar o curso para o qual foi selecionado, o então estudante precisou recorrer a uma série de medidas para tentar conseguir um intérprete. Ele perdeu o início das aulas por falta de profissional capacitado para atendê-lo.

“Foi uma batalha. Precisei envolver advogados especialistas em direitos humanos, pois havia uma burocracia que prejudicava muito os meus estudos. Hoje em dia, há o Núcleo de Acessibilidade (Nace), que já disponibiliza atendimento. É só o coordenador ou diretor do centro solicitar. Mas ainda há problemas sérios devido à falta de profissionais”, afirmou.

Noiva de Marcelo, Maitê, que é ouvinte, apoia a luta do companheiro e serve como intérprete dele em diversas situações. “Os meus pais são surdos e essa luta começou com eles. Marcelo conquistou esse sonho refletindo as lutas de uma comunidade, que, mesmo sendo pequena, é uma comunidade muito forte. Com certeza, vai ter muita luta pela frente e muitas conquistas”, afirmou.

Para a mãe do novo doutor, Rosângela Amorim, os pais têm papel importante na formação das pessoas surdas. “Tem que se dedicar e acreditar que eles são interligentes, até mais que muitos ouvintes. Eles prestam atenção, eles desenvolvem muito melhor. São uma pessoa normal, como qualquer outra”, declarou.

Ainda de acordo com o recém-titulado doutor, para melhorar a inclusão de pessoas surdas na universidade, seria de grande ajuda as instituições implementarem, nos espaços universitários, sistemas de atendimento em Libras para auxiliar os estudantes. Isso passa, diretamente, pela capacitação dos profissionais.

“Incluir pessoas diferentes é incluir todo tipo de atendimento. Hoje em dia, a universidade conta com um sistema muito defeituoso, onde a pessoa precisa ir atrás para solicitar algum atendimento diferente. Isso é muito desgastante para as pessoas, que acabam perdendo vontade de estudar. Ainda estamos caminhando com relação à inclusão, mas nós, surdos, precisamos ir atrás dos direitos e não chegamos e já está tudo pronto, à nossa espera, declarou.

Durante o doutorado, Marcelo foi selecionado em um concurso público para atuar como professor do curso de Letras Libras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No CIn, ele decidiu aprimorar a plataforma de ensino à distância do centro para a inclusão de pessoas surdas, unindo suas próprias necessidades à pesquisa desenvolvida na instituição.

Segundo ele, a tese do doutorado investiga a usabilidade, acessibilidade e comunicabilidade de pessoas surdas, usuárias de Libras, em uma plataforma de ensino e aprendizagem.

Vencidas as primeiras batalhas, segundo Marcelo, a próxima é se tornar uma referência, para que outros alunos surdos e com outros tipos de deficiência não desistam dos estudos e alcancem os próprios objetivos.

“Espero que sirva de inspiração para mudar esse sistema acadêmico em todo o Brasil. Que as pessoas surdas possam estudar com maior tranquilidade e com liberdade para chegar em sala de aula, com acessibilidade linguística total, para sair com os conhecimentos adquiridos com facilidade”, finalizou.

Fonte: G1

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